Demos início à nossa breve discussão sobre filosofia da ciência com uma simples distinção entre epistemologia e metodologia. O termo epistemologia provém da palavra grega epistêmê, o seu termo para conhecimento. Em termos simples, epistemologia é a filosofia do conhecimento ou de como passamos a conhecer. A metodologia também se preocupa com a forma como chegamos a conhecer, mas é muito mais prática na sua natureza. A metodologia está centrada nas formas específicas – os métodos – que podemos utilizar para tentar compreender melhor o nosso mundo. Epistemologia e metodologia estão intimamente relacionadas: a primeira envolve a filosofia de como chegamos a conhecer o mundo e a segunda envolve a prática.
Quando a maioria das pessoas na nossa sociedade pensa em ciência, pensam num tipo qualquer com uma bata branca de laboratório a trabalhar numa bancada de laboratório a misturar químicos. Pensam na ciência como aborrecida, cortada e seca, e pensam no cientista como mesquinho e esotérico (o último nerd – pense no cientista humorístico mas mesmo assim louco dos filmes Back to the Future, por exemplo). Muitos dos nossos estereótipos sobre a ciência vêm de um período em que a ciência era dominada por uma filosofia particular – o positivismo – que tendia a apoiar alguns destes pontos de vista. Aqui, quero sugerir (não importa o que a indústria cinematográfica possa pensar) que a ciência avançou no seu pensamento para uma era de pós-positivismo onde muitos desses estereótipos do cientista já não se mantêm.
Comecemos por considerar o que é o positivismo. No seu sentido mais lato, o positivismo é uma rejeição da metafísica (deixo-vos olhar para esse termo se não estiverem familiarizados com ele). É uma posição que sustenta que o objectivo do conhecimento é simplesmente descrever os fenómenos que vivemos. O objectivo da ciência é simplesmente o de nos atermos ao que podemos observar e medir. O conhecimento de qualquer coisa para além disso, que um positivista deteria, é impossível. Quando penso no positivismo (e na filosofia conexa do positivismo lógico), penso nos behavioristas da psicologia de meados do século XX. Estes eram os míticos “corredores de ratos” que acreditavam que a psicologia só podia estudar o que podia ser directamente observado e medido. Uma vez que não podemos observar directamente emoções, pensamentos, etc. (embora possamos ser capazes de medir alguns dos acompanhamentos físicos e fisiológicos), estes não eram temas legítimos para uma psicologia científica. B.F. Skinner argumentou que a psicologia precisava de se concentrar apenas nos reforços positivos e negativos do comportamento a fim de prever como as pessoas se comportarão – tudo o resto no meio (como o que a pessoa está a pensar) é irrelevante porque não pode ser medido.
Numa visão positivista do mundo, a ciência foi vista como a forma de chegar à verdade, de compreender o mundo suficientemente bem para que o pudéssemos prever e controlar. O mundo e o universo eram deterministas – operavam por leis de causa e efeito que podíamos discernir se aplicássemos a abordagem única do método científico. A ciência era, em grande parte, um assunto mecanicista ou mecânico. Utilizamos o raciocínio dedutivo para postular teorias que podemos testar. Com base nos resultados dos nossos estudos, podemos aprender que a nossa teoria não se ajusta bem aos factos e por isso precisamos de rever a nossa teoria para melhor prever a realidade. O positivista acreditava no empirismo – a ideia de que a observação e a medição eram o cerne do esforço científico. A abordagem chave do método científico é a experiência, a tentativa de discernir as leis naturais através da manipulação e observação directas.
OK, estou a exagerar a posição positivista (embora se possa ficar surpreendido com a proximidade a que algumas delas chegaram na realidade) a fim de fazer valer um ponto de vista. As coisas mudaram na nossa visão da ciência desde meados do século XX. Provavelmente o mais importante foi a nossa mudança do positivismo para o que chamamos pós-positivismo. Por pós-positivismo, não quero dizer um ligeiro ajustamento ou revisão da posição positivista – o pós-positivismo é uma rejeição generalizada dos princípios centrais do positivismo. Um pós-positivista pode começar por reconhecer que a forma como os cientistas pensam e trabalham e a forma como pensamos na nossa vida quotidiana não são distintamente diferentes. O raciocínio científico e o raciocínio de senso comum são essencialmente o mesmo processo. Não há diferença no tipo entre os dois, apenas uma diferença no grau. Os cientistas, por exemplo, seguem procedimentos específicos para assegurar que as observações são verificáveis, precisas e consistentes. No raciocínio quotidiano, nem sempre procedemos com tanto cuidado (embora, se pensarmos bem, quando os riscos são elevados, mesmo na vida quotidiana tornamo-nos muito mais cautelosos quanto à medição. Pense na forma como os pais mais responsáveis vigiam continuamente os seus filhos, notando detalhes que os não pais nunca detectariam).
Uma das formas mais comuns de pós-positivismo é uma filosofia chamada realismo crítico. Um realista crítico acredita que existe uma realidade independente do nosso pensamento sobre a mesma que a ciência pode estudar. (Isto está em contraste com um subjectivista que sustentaria que não há realidade externa – cada um de nós está a inventar tudo isto!) Os positivistas também eram realistas. A diferença é que o realista crítico pós-positivista reconhece que toda a observação é falível e tem erro e que toda a teoria é passível de revisão. Por outras palavras, o realista crítico é crítico da nossa capacidade de conhecer a realidade com certeza. Onde o positivista acreditava que o objectivo da ciência era descobrir a verdade, o realista crítico pós-positivista acredita que o objectivo da ciência é agarrar-se firmemente ao objectivo de o fazer acertar na realidade, mesmo que nunca consigamos atingir esse objectivo! Porque todas as medições são falíveis, o pós-positivista enfatiza a importância de múltiplas medidas e observações, cada uma das quais pode possuir diferentes tipos de erro, e a necessidade de utilizar a triangulação através destas múltiplas fontes erróneas para tentar obter uma melhor visão do que está a acontecer na realidade. O pós-positivista também acredita que todas as observações são teóricas e que os cientistas (e todos os outros, aliás) são inerentemente tendenciosos pelas suas experiências culturais, visões do mundo, e assim por diante. No entanto, isto não é motivo de desespero. Só porque eu tenho a minha visão do mundo baseada nas minhas experiências e vocês têm a vossa, não significa que não possamos esperar traduzir a partir das experiências uns dos outros ou compreender-nos mutuamente. Ou seja, o pós-positivismo rejeita a ideia relativista da incomensurabilidade de perspectivas diferentes, a ideia de que nunca nos podemos compreender um ao outro porque vimos de experiências e culturas diferentes. A maioria dos pós-positivistas são construtivistas que acreditam que cada um de nós constrói a sua visão do mundo com base nas nossas percepções do mesmo. Porque percepção e observação são falíveis, as nossas construções devem ser imperfeitas.
Então o que se entende por objectividade num mundo pós-positivista? Os positivistas acreditavam que a objectividade era uma característica que residia no cientista individual. Os cientistas são responsáveis por pôr de lado os seus preconceitos e crenças e ver o mundo como ele ‘realmente’ é. Os pós-positivistas rejeitam a ideia de que qualquer indivíduo pode ver o mundo na perfeição tal como ele realmente é. Somos todos tendenciosos e todas as nossas observações são afectadas (carregadas de teoria). A nossa melhor esperança para alcançar a objectividade é triangular através de múltiplas perspectivas falíveis! Assim, a objectividade não é a característica de um indivíduo, é intrinsecamente um fenómeno social. É o que múltiplos indivíduos estão a tentar alcançar quando criticam o trabalho uns dos outros. Nunca atingimos a objectividade na perfeição, mas podemos abordá-la. A melhor maneira de melhorarmos a objectividade do que fazemos é fazê-lo no contexto de uma comunidade mais vasta de pessoas que procuram a verdade (incluindo outros cientistas) que criticam o trabalho um do outro. As teorias que sobrevivem a um escrutínio tão intenso são um pouco como as espécies que sobrevivem na luta evolutiva. (Esta é por vezes chamada a teoria da selecção natural do conhecimento e sustenta que as ideias têm “valor de sobrevivência” e que o conhecimento evolui através de um processo de variação, selecção e retenção). Têm valor adaptativo e são provavelmente tão próximas quanto a nossa espécie pode chegar a ser objectiva e compreender a realidade.
Claramente, tudo isto não é para os fracos de coração. Já vi muitos estudantes de pós-graduação perderem-se no labirinto de pressupostos filosóficos que os filósofos contemporâneos da ciência discutem. E não pensem que eu acredito que isto não é importante. Mas, no final, tenho tendência para me tornar pragmático nestas matérias. Os filósofos debatem estas questões há milhares de anos e há todas as razões para acreditar que continuarão a debatê-las durante milhares de anos mais. Aqueles de nós que são cientistas praticantes deveriam verificar este debate de tempos a tempos (talvez de cem em cem anos, mais ou menos, seria mais ou menos correcto). Deveríamos pensar nas suposições que fazemos sobre o mundo quando realizamos investigação. Mas entretanto, não podemos esperar que os filósofos resolvam o assunto. Afinal de contas, temos o nosso próprio trabalho a fazer!