Anhedonia
Anhedonia (Grego: an-, “sem” e hēdonē, “prazer”), como o seu nome sugere, é um termo que descreve a incapacidade ou diminuição da capacidade de sentir prazer em todas as actividades habituais e agradáveis, bem como a retirada das mesmas (Kollias et al., 2008). Foi cunhado por Ribot em 1896, quando o utilizou para descrever a seguinte condição:
O estado de anedonia, se me é permitido cunhar uma nova palavra para emparelhar com analgesia”, escreve ele, “tem sido muito pouco estudado, mas existe. Uma jovem foi apanhada com uma doença hepática que durante algum tempo alterou a sua constituição. Ela já não sentia qualquer afecto pelo pai e pela mãe. Ela teria brincado com a sua boneca, mas era impossível encontrar o menor prazer no acto. As mesmas coisas que anteriormente a convulsionavam com o riso não a interessavam mais agora. Esquirol observou o caso de um magistrado muito inteligente que também era presa de doenças hepáticas. Todas as emoções pareciam mortas dentro dele. Ele não manifestava nem perversão nem violência, mas completa ausência de reacção emocional. Se ele fosse ao teatro, o que fez por hábito, não encontraria lá nenhum prazer. O pensamento da sua casa, da sua casa, da sua esposa, e dos seus filhos ausentes moveu-o tão pouco, disse ele, como um teorema de Euclides.
James (1985)
Anedónia tem sido desde então descrita como um sintoma esquizofrénico por muitos autores, sugerindo que poderia ser um defeito central na doença. No entanto, como já mencionado, a anedonia também tem sido associada a uma depressão grave. Em humanos, várias escalas têm sido usadas para avaliar sintomas depressivos na esquizofrenia, mas a maioria delas não foram originalmente desenvolvidas para esta intenção. A Escala de Depressão de Calgary para Esquizofrenia foi especificamente concebida para indivíduos com esquizofrenia e tem excelentes propriedades psicométricas, consistência interna, fiabilidade entre os agentes, sensibilidade, especificidade, e validade discriminante e convergente (Addington, Shah, Liu, & Addington, 2014). As pontuações obtidas utilizando esta escala correlacionam-se tanto com as classificações de anedonia física como social, que são geralmente avaliadas com as escalas concebidas para avaliar domínios específicos de anedonia: a Escala de Anedonia Física e a Escala de Anedonia Social (Kollias et al., 2008). Contudo, por razões óbvias, não é possível aplicar estes testes a animais, pelo que foram desenvolvidos diferentes testes comportamentais para avaliar a anedonia em roedores.
Um dos testes para avaliar a anedonia em roedores é o teste de preferência de sacarose, que foi originalmente concebido para avaliar a perda de motivação para a actividade agradável em modelos animais de depressão. Emergiu da observação de que os animais expostos ao stress crónico (que desencadeia estados depressivos) não conseguiram aumentar o seu consumo de líquidos e a preferência por soluções doces (sacarina ou sacarose adicionada à água potável), ligando este défice a perturbações hedónicas da depressão (Katz, 1982). Originalmente, o protocolo consistia em expor os ratos a um protocolo de stress de 21 dias, o que provocava uma diminuição do consumo de sacarose. Foi postulado que esta diminuição da sensibilidade à recompensa poderia reflectir a incapacidade de experimentar o prazer, e é agora considerada como um teste para o componente consumatório da anedonia (Der-Avakian & Markou, 2012). Desde então, o protocolo foi ajustado para obter uma analogia mais próxima com a situação humana, utilizando factores de stress mais suaves e prolongando a duração da exposição ao stress (Willner et al., 1987). Este regime mostra o desenvolvimento gradual da anedonia ao longo de várias semanas de exposição ao stress.
O procedimento geral para a realização do teste consiste em apresentar os roedores (cada um em gaiola separada) com dois tubos, um dos quais contém água potável simples, enquanto o outro contém normalmente uma solução de sacarose de 1-4% (dependendo do protocolo). Por vezes, uma concentração tão elevada como 10% pode ser utilizada (Clapcote et al, 2007). Antes do início do próprio teste, os animais estão habituados à presença destas garrafas. Normalmente, ambas as garrafas contêm apenas água potável na fase de habituação, que dura 1-3 dias. Após a habituação, os animais são expostos a uma garrafa contendo solução de sacarose e a uma garrafa contendo água potável, sendo a ingestão de ambas medidas diariamente. Esta fase dura geralmente 4 dias. Durante os testes, a posição das garrafas é trocada diariamente para reduzir qualquer confuso produzido por um desvio lateral. Os roedores desenvolvem tipicamente uma forte preferência pela solução contendo sacarose e consomem mais líquido dessa garrafa. A preferência pela sacarose é calculada como uma percentagem da solução de sacarose consumida da quantidade total de líquido bebido. Uma diminuição da preferência pela sacarose tomada como critério para a anedonia depende do procedimento experimental, bem como da tensão do rato e outros factores (Pothion, Bizot, Trovero, & Belzung, 2004). Contudo, investigações recentes questionam a validade desta leitura e uma revisão da literatura mostra que os efeitos do stress ligeiro crónico imprevisível, medido como uma diminuição do consumo ou preferência por soluções doces, são menos fidedignamente observados em vários laboratórios (Nielsen, Arnt, & Sánchez, 2000; Willner, 1997).
Um paradigma comportamental mais recente foi desenvolvido para testar a anedonia em animais. Baseia-se na motivação para consumir um estímulo palatável – um biscoito de chocolate; por isso, foi nomeado teste do biscoito (Surget et al., 2011). Baseia-se no conflito entre a motivação para o estímulo e o comportamento neofóbico do animal.
O teste cookie é realizado num dispositivo que contém três câmaras alinhadas do mesmo tamanho; apenas as cores das paredes e do chão são diferentes entre as câmaras. A primeira câmara é branca, a segunda cinzenta, e a terceira preta. Os animais estão inicialmente familiarizados com um biscoito de chocolate 4,5 semanas antes do teste; 1 h antes do teste, todos os alimentos regulares são retirados da tampa da gaiola. Depois, uma pequena quantidade do biscoito é colocada no centro da câmara preta e o animal é colocado na câmara branca. Cada sessão dura 5 min e o consumo do biscoito é registado (Nollet et al., 2013). Uma redução do consumo de biscoitos pode ser interpretada como anedonia, um défice de habituação, ou uma combinação de ambos os efeitos. A importância da característica “hedónica” do estímulo foi demonstrada numa experiência de controlo em que o biscoito foi substituído por uma bolacha alimentar regular, resultando num consumo quase nulo da mesma. No entanto, embora validado, o teste do biscoito não avalia directamente a sensibilidade à recompensa em animais, o que pode ser conseguido utilizando o paradigma da auto-estimulação intracraniana (ICSS) que foi desenvolvido por Olds e Milner em 1954.
O paradigma ICSS permite aos animais com eléctrodos implantados em certas áreas de recompensa do seu cérebro auto-administrar impulsos eléctricos fracos. Tal (auto-)estimulação pode ter fortes propriedades de reforço e assim o limiar de auto-estimulação pode ser usado como um índice do estado hedónico/anedónico do animal (Nielsen et al., 2000). As áreas que são normalmente alvo de estimulação neste paradigma correspondem ou ao pacote medial de forebrain, que se pensa desempenhar um papel importante na integração da recompensa e do prazer, ou ao hipotálamo lateral (Barnes et al., 2014). O ICSS é bem conhecido por ser um paradigma útil para uso no estudo de recompensas e anedonia porque reflecte a activação directa dos sistemas de recompensa do cérebro. Tipicamente, os animais administram a corrente por pressão da alavanca e são utilizadas duas medidas para estudar a anedonia: a taxa de pressão da alavanca e o limiar de estimulação (Ellenbroek & Cools, 2000). Partilha uma base teórica comum com o paradigma da preferência pela sacarose, interpretando o comportamento de auto-estimulação atenuada (redução da pressão da alavanca ou aumento do limiar de estimulação) como uma medida de anedonia. Contudo, uma das maiores limitações desta metodologia é que o desempenho avaliado pode ser contaminado por outros processos, tais como a função motora, o que afecta a capacidade do animal de executar a acção e, portanto, impede a capacidade de fornecer uma medida de função de recompensa independente da capacidade motora (Markou & Koob, 1992). Quando usado para avaliar a anedonia em modelos animais de depressão, foi demonstrado que o ICSS tem sensibilidade variável aos antidepressivos e uma elevada variabilidade intrastracional nas respostas de taxa e frequência ao ICSS (McArthur & Borsini, 2006).